segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017


Ontem recebemos a visita de um bombeiro, ele decorreu sobre o uso dos extintores e a metragem sobre a qual eles devem ser instalados. "Se este galpão estiver separado da do lado por uma parede maciça, sem nenhuma porta, eles são edificações independentes, mas se for o caso de uma janela que seja, integrando os dois através desta parede, os dois edifícios se comunicam". "Os dois edifícios se comunicam"... O homem bruto e singelo que me lembrou eu mesmo, poeticamente sabia da intimidade da forma e do concreto. Fez lembrar um trecho do filme "uma simples formalidade", onde o suspeito de assassinato explica sua paixão por geometria herdada de seu professor que introduziu a paixão pela materia da seguinte forma: "Se duas retas perfeitamentes paralelas acompanham sempre uma a outra o espaço afora podemos imaginar que em algum ponto do infinito elas se cruzam." Ou algo do tipo. Ou a máxima de Einstein quando questionado sobre o que poderia ser a luz, "luz é a sombra de Deus." Apesar de serem coisas diferentes, devaneios jogados fora, esses exemplos indicam que tudo esta permeado de poesia inclusive especificações tecnicas, bulas, matematica, as coisas estão sendo preparadas para um grande silencio, um espanto capaz de calar, para uma poesia suprema, algo como uma verdade pura, sem som algum.
Podem calcular o grau de ebulição, comportamento de temperatura, radiação, pico de combustão da matéria.
Mas não nascerá quem saiba dizer o que é o fogo.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Ontem, voltando pela Bandeirantes na madrugada fiquei na expectativa de ver a chuva de meteoros.
Saído de São Paulo, onde o quadro negro apagado do zodíaco do céu não se desenha nem mais um triângulo quando se liga as estrelas numa reta; em direção à Campinas, onde se pode desenhar um trapézio.
Vim imaginando o que se podia imaginar ao ver uma chuva de meteoritos. Que ela me daria empolgação suficiente pra afugentar o sono, e ao mesmo tempo abriria todas as portas do sonho e da imaginação. Seria restos de um planeta que foi desfeito, ou será que é um planeta sendo montado? Preciso dizer a minha filha que quando ela plantar bananeira, ela vai carregar o mundo nas mãos. Preciso me lembrar disso acima de todas as coisas.
Iria me esquecer do dia, das más notícias, de Bolsonaro, da morte do Prince, da ciclovia que desabou, das mulheres belas, recatadas e do lar, da reunião de terça com gente que me desagrada.
Estava vendo o que viria, uma chuva de luzes sem cálculo de rota, sem watts de luzes, sem diâmetro ou velocidade, apenas chuva de luzes, uma minúscula parte de mistério infinito. E a mãe de todos os sonhos: se é universo é infinito como se expande?
E iria passar como passou o cometa Harley na minha infância, onde meu pai me pegou e me levou até a frente de casa com minha mãe. Iria passar como aquela estrela vermelha que vi no dia do nascimento do meu irmão, Bruninho, "aquela estrela é marte", disse minha mãe, e fiquei estremecido.
E quando passasse iria durar por um tempo indefinível, frações de segundos, 30 anos, uma vida; aquele momento em que a linha reta no céu vai perdendo a luz, e você já não sabe se aquele espectro fino que vai sumindo ou já sumiu, é um evento que pertence ao céu ou ao olhar.

Não vi o evento, não sei se perdi a chuva ou se choveu por dentro.

Carta à esposa

Malu, Heleninha dormiu 4 hrs, perdeu o almoço, mas deixei ela comer um pouquinho de terra pra ajudar com os anti-corpos. Ela também roeu metade do livrinho "Fábulas de Esopo", vai cagar toda a moral na fralda, certeza, vai parecer um biscoito da sorte quando abrir pra trocar. Ela enfiou a mão inteira dentro do meu olho com terçol, ta doendo muito, mas já estou conseguindo piscar sem gritar. Deixei ela brincando com a orquídea na sala enquanto escrevo. Daqui a pouco vamos assistir "Azul é a cor mais quente". Ela gosta de azul. E vc preocupada. Hahaha, tonta.

Entrei na Marginal Pinheiros e me apareceu alguns carros na frente algo inesperado, começou nesse instante uma perseguição implacável a 70 km/mês, para que eu pudesse alcançá-lo. Precisamos estar sempre atento aos sinais, seguir sempre o que for diferente, ter um certo respeito pelo incomum. Quem ousa entrar com cores na cidade com 50 tons de cinza, sem ser posto de gasolina ou Banco? Jesus de Scorsese viu num espalhafatoso e colorido indiano um anjo, e o seguiu. Os sinais são delicados, então é preciso delicadeza pra falar sua lingua. Estava começando a achar que o perderia de vista, e me lembrei de Galeano "A utopia é como o horizonte. Você dá um passo pra frente, o horizonte dá um passo pra trás. Você dá 2 passos pra frente, ele dá 2 passos pra trás. Então pra que serve? Pra que continuemos a andar." Pra mim o que é mais belo ainda no horizonte, é que o nosso nunca nos pertence. Tem sempre outro montado em cima, da mesma forma que eu estou montado no horizonte de outro. Ao me aproximar da minha meta móvel, percebi o olhar incomodo do motorista ao me ver tirar fotos de seu carregamento multicolor.
Mal sabia ele que roubava meu horizonte.

Olhando a janela com a Helena no colo, os Flamboyants parados no canteiro central da cidade que não acorda, pergunto a ela se ela vê como as coisas todas estão em movimento e ela me responde com sua linguagem sem abecedário, a linguagem que ela inaugurou, que sim. Como será esse flamboyant pra ela revisitado dentro de alguns anos? A gigantesca casa da minha tia diminuiu da minha infancia pra ca, algumas esquinas tb, as praias que eu ia e voltava diminuia com os anos e com as ondas. As fachadas das casas, os quintais, as praças, as pedras, tudo foi perdendo volume.
Onde foram parar as coisas que diminuíram tanto enquanto eu cresci tão pouco?
Em quantos anos o mundo não caberá na Helena?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sonhos

Estava em uma casa escura, com tons marrons e azuis escuros, luzes de amarelo claro contornavam pouco as paredes de forma aleatória. A casa tinha poucos cômodos, uma parte bem iluminada era um banheiro lateral que ficava rente à parede onde um criado mudo sustentava uma televisão sem sintonia, que chamuscava luzes avulsas sobre a quase escuridão do todo. Por esse banheiro vi passar uma criança de talvez 7 anos, morena, sem camisa e de bermuda, havia uma família simples nesse cômodo gigantesco de uma casa pequena, era a casa dela.

-Acontece coisas estranhas aqui - me confessou a mãe.

E de fato acontecia. Objetos se moviam sem ajuda de nada, objetos pequenos, pentes, controles remotos, não sabia exatamente o que eu estava fazendo lá, se fui convidado para ajudar de alguma forma ou se entrei por acidente. Mas o fato é que a casa estava tomada por alguma coisa que a preenchia por inteira, como se fosse a própria alma da casa, alguma coisa que não deveria ser, ser no sentido de existir.

De repente as luzes se acenderam, agora eram brancas, e fui agarrado por alguma coisa muito forte, mas sem corpo, primeiro pelos pulsos depois pela testa e jogado sobre uma cama de colchão mole, o que dificultou ainda mais minha reação, e quando pude perceber minhas pernas também estavam imobilizadas, alguma, ou mais provavelmente, algumas coisas, estavam me prendendo completamente e eu senti aos poucos me perdendo de mim. O que me agarrava já não me agarrava por fora, mas por dentro do meu corpo, como se minha biologia fosse dividida por duas vontades: a minha que se esvaia, e a outra que se alastrava. O que antes segurava meu pulso era o que agora controlava minha musculatura, o que segurava minha testa, agora contorcia meus olhos, as pernas que já foram minhas já não eram mais. Desesperado e completamente dominado minha única saída agora era pra fora do sonho. Na cama, onde estava meu corpo real, fora do sonho se contorcia também, e eu perdido nesse limbo, sem controle do meu mundo real com meu corpo real, ainda não completamente desperto, e no meu mundo do sonho sendo devorado por dentro e me perdendo cada vez mais de mim por entidades demoníacas. Até que aos poucos fui rastejando desta invasão para o meu consciente desperto. Mas o mais curioso disso ainda estava por vir. Quase desperto senti de forma lúcida o edredom que cobria minha perna sendo puxado para cima, confesso que tudo ocorreu de forma rápida e que eu também estava me remexendo muito por conta do ataque, mas meu movimento no momento não justificaria o edredom sento puxado a ponto de descobrir minha perna, e a Malu que dormia ao meu lado não se mexia, apesar de que mais tarde percebi que ela também teve um sono inquieto, mas vamos considerar a possibilidade que ela se mexeu para não abrir mais um mistério, além do que aquele que eu ainda vou lhes contar. Antes disso também pude ver que havia vultos passeando freneticamente entre o corredor do nosso quarto quando estava quase ou talvez já desperto, mas também podemos considerar que isso foi um resquício do meu sonho, afinal eu não tive tempo de saber o que havia acontecido com a família que estava na casa.

Pela manhã, ao acordar depois de finalmente ter dormido outra vez e de ter sonhado outros sonhos, envolvendo Poços de Caldas, uma escadaria feita de grades bem espaçadas e a busca, quase no final do sonho, de uma mulher chamada Áurea, que na vida real eu conheço, mas que no sonho não consegui encontrar a tempo antes de acordar.

A Malu acordou e conversamos sobre os nossos sonhos. Contei apenas o primeiro, por achar pouco importante o segundo, e foi então que ela me confessou que durante meu sonho ela chegou a acordar e se espantou comigo falando enquanto dormia, uma outra língua, perguntei a ela se era realmente uma outra língua ou se eu simplesmente balbuciei alguma coisa, ela então tentou imitar o que eu falei e não era um balbuciar. Era uma linguagem clara apesar de desconhecida pra mim e num tom bastante audível, com dicção baseada mais na base da língua do que nas cordas vocais, a principio pensei se tratar de hebraico apesar de não ter o “r” arrastado, mas não tenho conhecimento para afirmar nada, nem para supor.

E então ela me contou sobre o seu sonho: ela se encontrava numa casa em Poços de Caldas que a principio estava vazia, onde começou a conversar normalmente com uma cabeça putrefata sem corpo, mais tarde, a mesma casa estava em festa com muitas pessoas e dentre essas pessoas ela encontrou uma professora que estimava muito na faculdade e que nunca mais encontrou. Seu nome era Áurea.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Diálogos para um livro que ainda vou escrever

Garçonete: - O que vão querer?

Ela: - Um capuccino, bem docinho. Como eu. Por favor. - sorriu sem mostrar os dentes.

Garçonete: - E o senhor?

Ele: - Um café. Amargo.

Ela: - E a palavrinha mágica...?

Ele: - Abracadabra.

Ela: - Sobre o que a gente tava falando mesmo?

Ele: - Você estava falando. Sobre as coincidências da vida, sua amiga se apaixonou num cruzeiro, você disse que não se faz planos para vida, mas no entanto ela começou a pagar o cruzeiro 8 meses antes de ir.

Ela: - Isso! Mas eu me referia ao amor, não a viagem. As melhores coisas da vida nunca são planejadas.

Ele: - Acidentes nunca são planejados.